O
barroco apareceu no
Brasil quando já se haviam passado cerca de cem anos de presença colonizadora no território; a população já se multiplicava nas primeiras vilas e alguma cultura autóctone já lançara sementes. O barroco não foi, assim, o veículo inaugural da cultura brasileira, mas floresceu ao longo da maior parte de sua curta história "oficial" de 500 anos, num período em que os residentes lutavam por estabelecer uma economia auto-sustentável - contra uma natureza selvagem e povos indígenas nem sempre amigáveis - até onde permitisse sua condição de
colônia pesadamente explorada pela metrópole. O território conquistado se expandia em passos largos para o interior do continente, a população de origem lusa ainda mal enraizada no litoral estava em constante estado de alerta contra os ataques de índios pelo interior e piratas por mar, e nesta sociedade em trabalhos de fundação se instaurou a
escravatura como base da força produtiva.
Arte das
Missões jesuíticas, de herança espanhola e italiana: São Francisco Xavier,
Museu Júlio de CastilhosUm índio anônimo no século XVII produziu este Cristo açoitado, hoje no
Museu de Arte Sacra de Pernambuco, onde se percebe uma pletora de influências estilísticas exóticas
Anônimo: Êxtase de Santa Teresa, Igreja do Convento do Carmo, São Cristóvão. A espontaneidade naïf é uma característica de grande parte do barroco brasileiro
Nasceu o barroco, pois, num terreno em luta, certamente com muito sofrimento e incerteza nos longos séculos de construção de um novo e imenso país, mas também com muita paixão, coragem e religiosidade, e não menos deslumbramento diante da paisagem magnífica, sentimento que foi declarado pelos colonizadores desde início. Sendo uma corrente estética e espiritual cuja vida está no contraste, no
drama, no excesso, talvez mesmo por isso pôde espelhar a magnitude continental da empreitada colonizadora deixando um conjunto de obras-primas igualmente monumental. O barroco, então, confunde-se com, ou dá forma a, uma larga porção da identidade e do passado nacionais; já foi chamado de a alma do Brasil. Significativa parte desta herança em arte, tradições e arquitetura hoje é
Patrimônio da Humanidade.
São Pedro papa, obra-prima da escola portuguesa.
Museu de Arte Sacra de São PauloO barroco no Brasil foi formado por uma complexa teia de influências européias e locais, embora em geral coloridas pela interpretação portuguesa do estilo. É preciso lembrar que o contexto econômico em que o barroco se desenvolveu na colônia era completamente diverso daquele que lhe dava origem na Europa. Aqui o ambiente era de pobreza e escassez, com tudo ainda por fazer. Por isso o barroco brasileiro já foi acusado de pobreza e incompetência quando comparado com o barroco europeu, de caráter erudito, cortesão, sofisticado e sobretudo branco, apesar de todo ouro nas igrejas, pois muita coisa é de execução tecnicamente tosca, feita por mão escrava ou morena. Mas esse rosto impuro, mestiço, é que o torna tão único e inestimável.
Também é preciso assinalar que o barroco se enraizou no Brasil com certo atraso em relação à Europa, e este descompasso, que se perpetuou por toda sua trajetória, por vezes ajudou a mesclar, de forma imprevista e deliciosa, elementos estilísticos que se desenvolviam localmente com outros externos mais atualizados que estavam em constante importação. Os religiosos ativos no país, muitos deles literatos, arquitetos, pintores e escultores, e oriundos de diversos países, contribuíram para esta complexidade trazendo sua variada formação, que receberam em países como
Espanha,
Itália e
França, além do próprio Portugal. O contato com o oriente, via Portugal e as companhias navegadoras de comércio internacional, também deixou sua marca visível nas chinoiseries que se encontram ocasionalmente nas decorações e nas raras estatuetas em
marfim remanescentes.
Como exceção interessantíssima, a mão
indígena é perceptível em obras de arte realizadas exclusivamente por índios ou em colaboração com os padres catequistas, fenômeno ocorrido no âmbito das
Reduções jesuíticas do sul e em casos pontuais no
Nordeste. Por fim, mas não menos importante, está o elemento popular e inculto, tantas vezes
naïf, evidente em boa parte da produção local, já que os artistas com preparo sólido eram poucos e os artesãos autodidatas ou com pouco estudo eram a maioria do criadores, pelo menos nos primeiros dois séculos de colonização. Neste cadinho de tendências são detectados até elementos de estilos já obsoletos como o
gótico em fases tardias como o fim do século XVIII, na obra de mestres como o
Aleijadinho.
O resultado de todos estes entrecruzamentos e mesclas é o acervo original e riquíssimo que hoje se vê espalhado em praticamente todo o litoral do país, desde o extremo sul no
Rio Grande do Sul até o norte, tocando o
Pará. Para dentro, o estilo derramou-se por
São Paulo e
Minas Gerais, onde se exprimiu com a característica elegância
rococó, e alcançou o
Centro-Oeste deixando jóias como as encontradas em
Goiás.
No início do
século XVIII, o barroco consegue uma face relativamente unificada, no chamado "estilo nacional português", cujas raízes eram de fato italianas, sendo adotado sem grandes variações nas diversas regiões, e a partir de
1760, por influência francesa, se suaviza no rococó, bem evidente nas igrejas de Minas Gerais.
Minas teve a peculiaridade de ser uma área de povoamento mais recente, quase uma tábua rasa em termos urbanísticos, e pôde-se construir em estéticas mais atualizadas, no caso, o rococó, uma profusão de igrejas em centros urbanos novos, sem ter de adaptar ou reformar edificações mais antigas já estabelecidas e ainda em uso, como era o caso no litoral, o que as torna exemplares primorosos de unidade estilística. O acervo de arte rococó das igrejas de Minas tem uma importância especial tanto por sua riqueza e variedade como por ser testemunho de uma fase bem específica na história brasileira, quando a região foi a menina dos olhos da Metrópole por suas grandes jazidas de ouro e diamantes. Seria um dos maiores centros do barroco nacional, junto com
Salvador e o núcleo de
Recife-
Olinda, bem mais antigos.
Neste século o barroco brasileiro já se encontra perfeitamente "nacionalizado", tendo dado inumeráveis frutos anteriores de altíssimo valor, e aparecem as figuras célebres que o levam a uma culminação, e que iluminariam em grande estilo também o seu fim como corrente estética dominante:
Aleijadinho na arquitetura e na escultura, e na pintura
Mestre Ataíde. Eles epitomizam uma arte que havia conseguido amadurecer e se adaptar ao ambiente de um país tropical e não-independente, ligando-se aos recursos e valores regionais e constituindo um dos primeiros grandes momentos de originalidade nativa, de brasilidade genuína, possuidora de grande força plástica e expressiva, tornando-se ícones da cultura nacional. O grande ciclo de onde surgiram foi logo depois abruptamente interrompido com a imposição oficial da novidade
neoclássica de inspiração francesa, no início do século seguinte.